quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Jack The Joker - Mors Volta

 Metal Progressivo é o nome dado ao subgênero que uniu as experimentações musicais do rock progressivo dos anos 70 com o peso e distorção do heavy metal dos anos 80. Nessa categoria estão juntos bandas com sons tão díspares quanto Symphony X e Opeth, clássicas como Dream Theater e inovadoras como Mastodon. O desafio é agregar ao metal elementos como o jazz, folk e música erudita e daí sair um resultado coeso, o que nem sempre ocorre, fazendo com que o estilo seja conhecido principalmente pelos seus excessos. Porém, o estilo também conta dentre suas características com a habilidade técnica de seus músicos, além da criatividade e inovação de seus compositores.

O paradigma do estilo foi definido nos anos 90 por bandas dos Estados Unidos e Europa, embora nunca tenha sido um estilo massificado, conquistou seu nicho de fãs e influenciou diversas bandas ao longo dos anos. O Brasil não chegou a produzir um grande nome no estilo, embora características do prog estejam presentes nas duas mais famosas bandas nacionais Angra e Sepultura. É certo que há uma grande quantidade de bandas de progressivo de inquestionável qualidade, mas ainda assim não há um grande representante nacional do estilo. Lacuna que pode ser preenchida com o trabalhando da banda cearense Jack The Joker.

Será cedo para dizer que a banda está aí para suprir essa lacuna? Após o ouvir o segundo e mais recente disco da banda, creio que não. 

"Jack The Joker" é um quinteto surgido em Fortaleza, lançou seu debut "In The Rabbit Hole" em 2014 e surpreendeu tanto pelo virtuosismo técnico de seus membros quanto pela altíssima qualidade das composições: intrincadas, complexas, ora mais extremas e pesadas, ora mais suave e acústicas, mas sempre coesas, sem se perder na virtuose de seus músicos. A banda vem divulgando seu trabalho principalmente através da internet, seus discos estão disponíveis em plataformas de streaming, youtube, download, venda física, além de intensa atividade no facebook oficial onde divulgam seus shows, lançamentos e vídeos.

Dois anos após a estreia, a banda lança seu segundo disco "Mors Volta". Dizem que o segundo disco é um teste. Os primeiros discos, em geral, são reuniões de composições que foram amadurecidas ao longo dos primeiros anos de ensaio e apresentações de uma banda, já o segundo chega com menos tempo e mais exigência para compor um disco inteiro, fechado e redondinho para lançamento. É quando a banda mostra a que veio, mostra seu poder de composição e capacidade de manter ou até superar a qualidade inicial. Jack The Joker passa no seu teste? Com louvor.

"Mors Volta" é superior a seu antecessor, mostra um banda com sua identidade definida, mas sem abandonar a criatividade com composições ainda mais coesas. A banda escolheu investir em peso e "groove" que permeiam todo o álbum dando um ar "jam" a certos trechos e chegando a ser quase dançante na canção "Brutal Behavior". É difícil dizer, no meio tantos músicos talentosos, quem se sai melhor, como os guitarristas Lucas Colares e Felipe Facó, milimetricamente técnicos ou a capacidade do vocalista Raphael Joer que consegue ir do gutural ao agudo, mas é preciso destacar a cozinha formada por Vicente Ferreira, cuja bateria executa dos movimentos complexos ao simples com precisão e o baixo de Lucas Arruda que injeta groove com seus slaps nos momentos certos de cada canção.

O disco impressiona desde seu início com as viradas de bateria que lembram muito a introdução de "The Wolf is Loose" do Mastodon, mas que segue numa pegada que lembra essa fase mais pesada de prog metal que o Symphony X vem mostrando desde "Paradise Lost", com a diferença que o Jack the Joker tem mais ritmo e menos interesse em compor baladas. O que não quer dizer que a banda não tenha um lado mais melódico, se em seu primeiro disco já haviam mostrado bom gosto ao enxertar instrumentos acústicos em algumas composições, em "Mors Volta" ela se guarda para o final. "Venus & Mars", canção de encerramento é a mais ambiciosa do disco, tem 24 minutos de duração e busca um síntese de toda a musicalidade apresentada pela banda: peso, groove, jams instrumentais, virtuosismo correndo solto, somados à adição de trechos acústicos belíssimos com flautas e violões construindo momentos contemplativos na cação, sem dúvida a melhor composição do disco. Tudo isso embrulhado numa capa cuja arte me remete ao primeiro disco do Black Sabbath, além de uma altíssima qualidade de gravação, basta uma audição atenta ao disco e todos os instrumentos se mostram claros e límpidos aos ouvidos, ressaltando o talento de cada músico.

Jack The Joker é uma banda que faz bonito e tranquilamente pode ser colocada ao lado dos grandes nomes do metal progressivo como Dream Theater, Opeth, Symphony X, etc. sem ficar devendo em nada aos clássicos. Só o que falta agora é o mundo e os metaleiros do Brasil conhecerem esse nome promissor do metal brasileiro.


Ouça no Spotify:



domingo, 20 de novembro de 2016

Pink Floyd: os primeiros anos

O Pink Floyd é uma banda de várias facetas. Começou em meados dos anos 60 carregando o nome de dois blues mans, porém fazendo um som psicodélicos que misturava rock, jazz, o próprio blues e várias outras viagens sonoras inclassificáveis. Eram guiados pelo gênio de Sid Barret e ao longo de seus primeiros anos lançaram uma série de materiais que não entraram na discografia oficial da banda.

Isso tudo foi antes da fase mais pomposa da banda, que compreende o lançamento de The Dark Side of the Moon à The Wall basicamente, época em que o Floyd se tornou uma máquina de lotar estádios e fazer dinheiro. Época também, dos show grandiloquentes, cheio de efeitos e luzes, que tiveram sua representação máxima nos shows megalomaníacos de The Wall, uma turnê que praticamente acabou com a banda. Essa fase se tornou o rosto do Pink Floyd para o mundo.

A época anterior, entretanto, foi bem diferente, shows pequenos clubes, menos dinheiro e menos efeitos, mas muita música e principalmente muita viagem inspirada em alucinógenos e criatividade. Foi um época de composições mais curtas, mas nem por isso menos inspiradas. Essa fase é que o está retratado num recente box lançado pela banda, que também conta com uma versão para os serviços de streaming.

Não sou muito fã desses lançamentos caça niqueis
, mas esse é bastante interessante, por ser completo e conter muitas músicas fora da discografia oficial que não são exatamente fáceis de encontrar por aí. Abrange toda a época do inicio da banda até o disco Obscured By Clouds, anterior a Dark Side, ou seja, toda a fase menos famosa da banda. É muito bacana ouvir raridades como Embryo, Point Me At The Sky, as músicas que a banda compôs para um filme chamado Zabriskie Point, além de primeiras versões como Nothing, prévia de Echoes. Um perfil do Pink Floyd antes de ser o Famoso Pink Floyd.

Recomendo.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Música feita de sons e silêncios ou minha homenagem a Leonard Cohen

Leonard Cohen 1934 - 2016
A primeira vez que ouvi a música de Leonard Cohen foi num domingo de manhã, era cedo, estava nos meus afazeres matinais, preparar café, regar plantas, essas coisas... e geralmente gosto de fazer isso ouvindo música, nesse em dia em particular, abri meu aplicativo de streaming e decido ouvir algo que nunca tinha ouvido antes,  um disco de Leonard Cohen, cantor de quem já tinha ouvido falar, mas nunca tinha escutado. Ouvi o disco Can't Forget: A souvenir of the Grand Tour, disco ao vivo de 2015 com registro de vários shows sua última turnê. Ao final da audição, óbvio eu já amava o disco, automaticamente, já tinha virado admirador do músico e por fim, me recriminei por ter demorado tanto tempo para conhecer o trabalho do cantor.

Isso não aconteceu há muito tempo, foi nesse ano, na verdade, faz poucos meses. Conheci Cohen já aos 45 do segundo tempo de sua vida, de lá pra cá já dei uma boa vasculhada na discografia do cara, facilidades da internet, a pesquisa, obviamente, corroborou a premissa inicial, eu adoro a música de Leonard Cohen. Mas por que gostei tanto dessa música? Não sei, acho difícil dizer o que me faz gostar tanto de determinada música. Nesse caso específico, creio que foi a voz marcante de Cohen, grave, forte, seu estilo meio cantado, meio recitado de suas letras, o bom gosto harmônico de suas canções, o minimalismo nas composições, mas a principal característica que identifiquei na sua música, o uso do silêncio.

Canções são compostas por sons, óbvio, existem aquelas construídas em camadas e camadas de sons que se sobrepõem, sem parar até o final, sem espaços vazios, sem silêncios, mas existe outro tipo de canções que usam o próprio silêncio em sua composição. Nesse tipo o que não se ouve é tão importante quanto o que se ouve, o silêncio é tão importante quanto a canção, talvez porque o silêncio ressalte a beleza da harmonia que está sendo executada, o silêncio aqui serve como um foco, que não nos deixa perdidos num mar de sons, mas nos orienta e guia através aquela determinada harmonia que está sendo executada, ressaltando sua beleza.

Trago um exemplo para ilustrar minha reflexão, existe uma composição do King Crimson chamada Trio presente no disco Starless and Bible Black, que foi gravada num improviso de melotron, baixo e violino ao vivo, a música está creditada aos três membros, que efetivamente tocam na composição, mais Bill Bruford, o baterista, embora não haja bateria ou qualquer tipo de percussão na música, entretanto a banda considerou que sua decisão de não tocar foi crucial para o resultado final da composição, logo, o silêncio da bateria foi tão importante quanto os sons dos demais instrumentos.

Música feita de sons e silêncios, assim vejo a obra de Leonard Cohen. Em 94 ele foi ordenado monge budista e segundo li recebeu o nome Dharma de Jikan, que quer dizer "silencioso", muito apropriado, se isso for verdade.

Falando em silêncio, o homem faleceu ontem, dia 10 de novembro de 2016. Ontem o homem silenciou para sempre,  não sem antes deixar mais um disco You Want it Darker, escute-o e veja, lá estão os sons e os silêncios que Cohen deixou de presente pra nós.