quarta-feira, 20 de setembro de 2017

A Coisa, enfim uma adaptação decente de Stephen King


It ou A Coisa é um dos maiores clássicos do autor norte americano Stephen King. Um tijolaço que varia de 900 e tantas à mais de mil páginas dependendo da edição, a minha tem menos de mil, mas uma letra do tamanho de bula, lê-lo, aos quinze anos de idade, foi quase uma malhação pros bíceps. Pra quem gosta de terror, fantasia e prolixidade o livro é um deleite. Eu adorei quando o li, até chegar ao final, mas disso falaremos em outro momento.

A sinopse de It no livro começa falando de uma cidade assombrada no Maine onde sete crianças conheceram o terror pela primeira vez. A tal cidade é Derry uma pequena e pacata (pero no mucho) cidade do interior norte americano, aquele tipo de lugar idílico onde todo mundo se conhece e vive num ambiente de suposta tranquilidade e boa vizinhança. Mas tal tranquilidade é apenas uma fachada, uma presença aterrorizante vive nos subterrâneos de Derry, se alimentando de crianças e medo e as sete crianças, também conhecidos como o clube dos perdedores, são os únicos capazes de enfrentar a criatura.

A maior proeza de King em seu livro é criar, em prosa, uma cidade completa, em sua rica e sombria complexidade. Derry tem seus pontos de referências muito bem delineados, tem uma história longa e rica, contada através das pesquisas de Mike Hanlon, no livro ou Ben Hascon, no filme. Com liberdade, e espaço para escrever, King trata também de delinear o perfil psicológico da cidade, o que pode inclusive ser visto como uma verdadeira critica social à classe média norte americana. Isso porque, acima de tudo, Derry é uma cidade hipócrita. Na sua fachada cidadãos pacíficos e felizes, mas no fundo são cheios de ódio e rancor, como descobriu da pior forma Adrian Mellon (opa... ainda não é hora de mencionar ele... pra quem só viu o filme).

Nesse meio temos Pennywise, o monstro palhaço que habita nos esgotos de Derry. Um monstro que ataca e devora crianças se alimentando principalmente de seu medo. Parcimonioso, na tradução brasileira dos livros, é como uma encarnação de tudo de podre que tem na cidade, representado principalmente pelos adultos, que, de certa forma, são os grandes vilões da história. Como o pai pedófilo de Berverly, a mãe hipocondríaca de Eddie, os pais ausentes de Bill ou ainda o pai psicopata de Henry Bowers, uma criança corrompida pela maldade de Derry e vilão de segunda linha. Reforça essa visão o fato de que o palhaço é invisível aos adultos e sua matança histórica e periódica é ignorada pelas autoridades incapazes de ver que algum mal está a solta na cidade. Não seria de espantar que Pennywise fosse um ponto de conjunção de toda a maldade de Derry, uma abominação surgida do mal, nas palavras de Don Haggarty à Harold Gardener (calma, vocês vão conhecê-los) quando perguntado quem era o palhaco: "Era Derry, era esta cidade"

O filme, apesar da compreensível e inevitável necessidade de reduzir a história e seu contexto para encaixar na curta duração de um filme, conseguiu colocar em tela todas as diversas facetas do livro, algumas com mais enfoque outras com menos, obviamente. A coisa é muito mais que um palhaço, embora no filme ele praticamente só apareça nessa forma, questão de criar uma identidade visual bem definida. Os vilões adultos também estão lá, mas sua representação é mais leve que no livro, bem como hipocrisia da cidade também é mostrada, ainda que de forma sutil e não escancarada como livro, onde é perceptível que a cidade é a Coisa são uma só. Há também no livro uma viajada psicodélica cósmica envolvendo uma Tartaruga, mas isso filme optou por deixar de fora (ainda bem), vamos ver no segundo.

Quanto aos atores, que beleza de escalação, os atores mirins todos estão ótimos, representações perfeitas do livro, Bill Gaguinho é o líder nato, Richie é chato e boca suja, com um bônus, no filme ele é engraçado, no livro só chato, Eddie e Stan são os relutantes, Beverly é tão linda, ruiva e forte quanto no livro, Ben é inteligente e tímido e Mike é forte, o negro num mundo de brancos, ainda tendo que enfrentar o racismo que jamais sumiu na sociedade, principalmente quando se fala de Derry. O roteiro é excelente, não deixa pontas soltas, se por um lado corta muita coisa legal (e violenta), também corta muitos exageros (bizarros) típicos de King, leva bem ao pé da letra o bordão de Pennywise "Você também vai flutuar", no livro é mais uma força de expressão mesmo e dá um desfecho diferente, mas satisfatório a essa primeira metade da história, aliás diferente mesmo só o modus operandi, mas o resultado é o mesmo.



O Terror fica só na nomenclatura já que não dá medo nenhum, muito mais uma versão dark e pesada dos Goonies ou, pra pegar uma referência mais contemporânea, Stranger Things, o fato de terem escalar um ator da série pra interpretar Richie Tozier só reforça isso. É a melhor adaptação de King desde O Nevoeiro (aquele do Frank Darabont, não aquela porcaria da Netflix) e aguardo com uma mistura de ânsia e cautela a segunda parte, o filé do livro é a história das crianças, a fase dos adultos é mais ou menos, os roteiristas vão ter que fazer um ótimo trabalho pra superar essa primeira parte.

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

O Nevoeiro 2017

O Nevoeiro é um dos melhores contos de Stephen King. É a abertura da sua segunda antologia de contos chamada Tripulação de Esqueletos. Enorme como ele só é quase um livrinho separado dentro da antologia, merecendo até divisão em capítulos. Anos mais tarde foi transformado num filme melhor ainda pelas mãos do mestre Frank Darabont que já adaptou com maestria outras duas obras de King, a saber, Um Sonho de Liberdade e À Espera de Um Milagre. Mais cruel, mais visceral e pessimista que a própria obra escrita, o filme é um primor, o próprio autor reconheceu a reviravolta final de Darabont no filme superou a sua no livro.

E então veio a Netflix...

Eles não destruíram a obra, quem quiser uma excelente experiencia em fantasia, terror e tensão, pode buscar as obras referenciadas ali em cima. Porque com certeza não é o que vocês vão encontrar na versão na Netflixiana da obra.

Aparentemente, sem dinheiro para fazer um Nevoeiro decente, os produtores da série resolveram focar nos aspectos psicológicos da obra. Logo em vez uma bruma repleta de monstros que bobeou dançou, temos aí uma fumaça CG bem mais ou menos que mata aleatoriamente, é lerda e aparentemente sabe ler mentes e usar... bem eu não entendi se os piores medos ou as piores culpas das pessoas para matar elas, mas nem sempre as vezes aparece só alguma bizarrice tipo o rapaz transformado em mariposa gigante ou o cara das sanguessugas, enfim. 

Acho que a pior coisa é que o Nevoeiro, tão letal na obra original, enquanto algumas pessoas não aguentam uma passagem num corredor cheio de névoa, outros saem correndo no meio dele, param, gritam pelos outros e até atravessam a cidade ilesos. Ou ainda enfrentam no mano a mano, com bastante sucesso, as aparições assassinas. 

Mas assim como no original, o nevoeiro é apenas um pretexto, um elemento de tensão, porque o horror mesmo acontece através dos personagens humanos. Ou deveria. Particularmente, fora o heroico pai de família personagem principal.... pera aí vou aqui pesquisar o nome dele.... Kevin, então o Kevin começa a série incrivelmente chato, mas termina de forma primorosa quando, já nos últimos capítulos ele percebe que todos na cidade viraram uns cuzões de merda, não vou contar o que ele faz, iria estragar, mas se você enfrentar o marasmo até o final, vai se sentir recompensado.

De resto, temos, Alyssa Sutherland a rainda Auslaug em outro papel irritante (será que é a atriz?) como Eve esposa de Kevin e mãe de Alex uma jovem envolvida numa dramalhão de novela mexicana. Mais um punhado de coadjuvante chatos, desinteressantes que você só queria que o nevoeiro pegasse logo.

E vamos falar dos ahn... vilões.... nossa que reunião de vilões medíocres temos nessa série, temos a tensão fanática religiosa na pele de uma senhora New Age que nem de longe chega aos pés da assombrosa Sra. Carmody e sua arenga cristão apocaliptica, aqui vira uma palavreado manso sobre a natureza, a vida e a morte, Nathalie a nova porta voz do fim dos tempos, só consegue reunir quatro gatos pingados e ainda perde os dois no caminho. Temos o lobo em pele de cordeiro que só se revela ao final, patético, o segurança estérico, ridículo, o militar misterioso, irrelevante. 

Por fim, outro defeito é que pelo visto, para os roteiristas, em situação de Apocalipse sobrenatural, ninguém é capaz de uma atitude racional, fazem burrices, coisas loucas e sem razão, sexo fora de hora e criam teorias mais patéticas que a Terra Plana pra explicar o fenômeno. 

O que mais aterroriza em toda série mesmo é o gancho final para uma segunda temporada. Me arrepia pensar em mais dez episódios desse troço.

Vá por sua conta e risco! 

Cena mais legal da série e acontece no primeiro episódio, de resto é só decadência.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Death Note (2017)

Light Turner é manezão
A verdadeira musa sociopata do filme.
Como você utilizaria um caderno que tem o poder de matar pessoas? Essa questão é crucial para compreender a diferença entre a produção norte-americana de Death Note da Netflix e o original japonês. Vamos lá: opção 1: você não mata ninguém conhecido, monta um esquema baseado em noticiários de televisão, monta um esquema inteligente para que ninguém descubra seu caderno ou Opção 2: você mata seu colega de escola, executa uma vingança pessoal com ele e o mostra pra aquela garota que você é afim, mas nunca falou com você.

É nesse esquema que reside a maior fraqueza de Death Note, seu protagonista e também vilão, Light Turner é um jovem bastante mediano que recebe um grande poder e não sabe muito bem como lidar com ele, seu duplo animado japonês é um jovem gênio sociopata que decide criar um mundo novo executando bandidos da solidão de seu quarto e jamais duvida da justiça de seu comportamento e não tem um pingo de remorso em executar quem se coloque no seu caminho. Já o jovem Light Turner sofre várias crises de moral, exita em matar policiais ou pessoas que considere inocentes.

Essa alteração é importante dado que boa parte da diversão do anime é que se tratava de uma trama novelesca envolvendo dois gênios, Light Yagami de um lado e o detetive esquisitão L do outro, ambos interpretando a consagrada rixa Sherlock Holmes vs Dr. Moriarty onde a cada episódio uma nova reviravolta gradativamente os ia deixando mais próximos um do outro.

O filme decidiu não seguir por esse caminho. Primeiro que o drama principal ocorre entre Light e sua namorada Mia, essa sim a verdadeira psicopata da história, não demora para que a parceria amorosa entre eles se transforme em tensão e depois em rivalidade, no meio desse "quiprocô" entra L, bem fiel ao seu homônimo no mangá, mas reduzido aqui a um catalisador da tensão entre o casal assassino.

A melhor coisa do filme é certamente Mia, adaptação da personagem original, Misa Amane, se no anime era uma personagem totalmente fetichizada: nova, mentalidade infantil, esbanjando sensualidade de uma mulher madura e totalmente submissa à Light Yagami. Aqui é uma personagem de personalidade forte, psicopata ainda maior que Light Turner, praticamente é dela a ideia de limpar os criminosos do mundo e ela que fica mais obcecada pela missão. A segunda melhor coisa foi Willen Dafoe como Riuk, o deus da morte metaleiro, um dos castings mais adequados da história do cinema.

O estilo folhetim da série original, com uma reviravolta nova a cada episódio foi substituído pela linguagem de videoclipe: frenético, com muita informação sendo jogada a todo instante. Sabe aquelas cenas longas em que os personagens delineiam suas estratégias na mente do original, aqui não tem nada disso.

Mas ao final não é um filme de todo ruim. É uma aventura adolescente razoável para as novas
gerações.

Ps. caso você queira conhecer a melhor versão de Death Note não deixe de pesquisar os dois live actions japoneses Death Note e Death Note - Last Name que adaptam toda obra de forma concisa e na minha opinião com o melhor final de todos.

Deus da morte ou membro do Mötley Crüe?