O
ano de 2016 marcou o aniversário de um dos meus discos de metal brasileiro
favoritos, Holy Land, o segundo disco do Angra. A banda, surgida em 1992, pegou
o embalo da vertente metal chamada Power Metal, um estilo mais acelerado e
limpo de heavy metal, com vocais mais melódicos e mais agudos, algumas banda adotavam
um tom mais épico em suas composições, outras, flertavam com toques de música
clássica, dentre esses últimos, estava o Angra.
A
época formado por Andre Matos, vocal, Rafael Bittencourt e Kiko Loureiro,
guitarras, Luis Mariutti, baixo e Ricardo Confessori, Baterias, a banda tinha
acabada de encerrar a turnê de seu primeiro disco, Angels Cry. O primeiro
disco, aliás, já foi por si só uma grande conquista da banda, power metal com
toques de música clássica e que gerou o primeiro, e maior hino do Angra até
hoje, Carry On.
Quando
a banda começou a pensar em seu segundo disco, decidiram, ao invés de repetir a
fórmula de seu primeiro disco, inovar mais dentro de seu som e buscaram, nas
sonoridades regionais brasileira a inspiração para construir sua segunda obra. E
o fizeram com sucesso, tendo em vista que ainda hoje, com oito discos na sua
discografia, Holy Land continua sendo um dos grandes marcos da banda. Mas não
vou me alongar na história do disco ou na sua importância no contexto do heavy
metal nacional, essas informações podem ser encontradas facilmente na internet.
Holy
Land não foi o primeiro disco que escutei do Angra, conheci a banda através do
seu segundo disco ao vivo Rebirth Wolrd Tour de 2002, nessa época já havia
ocorrido a cisão na banda, seu vocalista novo era Edu Falaschi, que possuí um
estilo vocal bem diferente de seu predecessor Andre Matos. Ainda assim, era a
primeira banda de heavy metal brasileira que eu conhecia, não demorou até que
eu fosse atrás de sua história e descobrisse que aquela banda tivera uma
formação diferente no passado. Ao pesquisar esse passado é claro que gostei
imediatamente de Angels Cry, Fireworks com seu estilo mais direito e sujo
demorou um pouco mais para me agradar, mas foi ao ouvir Holy Land, que meu
queixo caiu no chão.
Certamente
o Angra não era a primeira banda de rock a misturar elementos brasileiros em
suas composições, aliás no mesmo ano de Holy Land, 1996, o Sepultura lançou um
disco também histórico Roots que buscou influência na música indígena. Mas
ainda antes disso muitos artistas trouxeram a música brasileira para o rock, ou
por outro ponto de vista, trouxeram o rock para a música brasileira, Mutantes é
uma banda que me vem imediatamente à cabeça com sua mistura de rock e baião na
canção Dois mil e Um, Novos Baianos também fizeram essas experimentações, enfim
uma pesquisa revelará vários nomes, mas eu não os conhecia a época, de modo que
lá nos meus treze anos a mistura de sonoridades afro-brasileira em Holy Land
era inédito para mim e quando ouvi achei tudo fantástico.
Mas
não é apenas na sonoridade que Holy Land mostra sua identidade brasileira, toda
a arte do disco é baseada nesse conceito, suas letras, sem pretensões
narrativas ou rigor histórico, falam da descoberta do Brasil, de navegações,
aventuras rumo ao desconhecido e até mesmo dos horrores do confronto étnico causado
pela descoberta das novas terras. A arte gráfica simula uma carta marítima do século
XV com uma rosa dos ventos colorida sobreposta a imagem, enfim todas as artes
do disco estão direcionadas ao uma verdadeira homenagem da cultura brasileira e
quando você tudo aquilo pra tocar no som, ainda assim, é também heavy metal,
mas um heavy metal que banda de lugar nenhum outro lugar do mundo poderia ter
feito, nem um Iron Maiden, ou Judas Priest ou Metallica ou qualquer outro nome
poderia fazer, era um metal tipicamente brasileiro, Cosa Nostra, Made in Brazil.
Ao
apertar o play ouvimos um som de pássaros na floresta seguido por um canto
gregoriano renascentista europeu, é Crossing a abertura do disco, baseado numa
obra de Palestrina, compositor italiano do século XVI, essa introdução de ar
clássico é breve, pois é na sequencia já começa o disco pra valer, Nothing to
Say, o peso vem somado a um suingue diferente, quase dançante, o foco principal
é seu marcante riff de guitarras e as levadas de bateria, somados a um enxerto
de flauta bem brasileiro e um interlúdio semi clássico de teclados. A letra do
ponto é o ponto de vista do conquistador europeu que relembra atrocidades
cometidas na conquista das novas terras, em seu encerramento a música se entrega
totalmente a um maracatu e logo percebemos que o que estamos ouvindo é um tipo
totalmente não ortodoxo de metal.
Em
Silence and Distance temos uma visão poética dos aventureiros que lançam ao
mar, começa e termina de forma belíssima ao piano, o peso se encontra no centro
na canção, mas é ritmado por batidas nada convencionais para o metal, nota-se
claramente a influência da música afro nesse disco, principalmente na
inspiração dos ritmos que guiam as canções. A letra é simplesmente linda e inspiradora, em
mim, particularmente, dá vontade de pegar as coisas e viajar para lugares
novos, em particular, e move muito esse trecho:
“Now let
me go
Away across the sea,
The waves can't be as high
As they pretend to be”
Away across the sea,
The waves can't be as high
As they pretend to be”
Se
até aqui, meu queixo já estava bastante baixo com esse disco, é na canção
seguinte que ele foi ao chão e determinei que esse seria meu disco predileto do
Angra, Carolina IV, a narrativa de um navio que sofre uma tempestade no mar
levando a vida de toda sua tripulação inicia ao som de tambores africanos e
vozes entoam, em português, uma louvação a Iemanjá, em inglês, o personagem principal
da história conta a história do navio que parte em busca de novas terras, mas
tudo que encontra é um fim trágico que leva o personagem a das frases mais
forte da música:
“Human
dreams have sometimes cost their lives,
All their lives dreaming”
All their lives dreaming”
O
riff da música é um speed metal, ou seja, mais aceleradinho, mas no meio há um interlúdio
onde a canção vira uma verdadeira sopa de referências, todas muito bem
amarradas de forma que tudo fica bastante coerente, há enxerto da música Bebe
de Hermeto Pascoal, um dos músicos brasileiros mais cultuados do mundo, exceto
por brasileiros, inserções de piano clássico e um solo de corda, que vou ser
sincero ainda não sei dizer se é violino ou violoncelo, tudo para desaguar numa
orquestração que traz de volta o speed metal encerrando a história do malfadado
Carolina IV, e no fim de tudo voltamos ao maracatu inicial e a música encerrar
com sua louvação a Iemanjá. Uma verdadeira epopéia conceitual de 10 minutos de
duração.
A
faixa título Holy Land tem uma poesia meio abstrata, a mim parece uma
declaração de amor à terra, toda música é baseada num piano tocado no ritmos do
berimbau, uma releitura de ar clássico das canções de capoeira, acompanhado de
percussão no mesmo ritmo, o metal dá uma olás ao longo da canção, mas aqui, a
grande estrela é o piano. A próxima canção The Shaman tem a história de um pajé
tentando trazer alguém de volta a vida, seu maior destaque e a fala, também em
português de um verdadeiro pajé falando sobre ervas medicinais.
Make
Believe é a estranha no ninho, principalmente por não haver nenhuma referência
a musicalidade brasileira ou ao conceito principal do disco, uma balada
açucarada típica do metal melódico, sua letra trata de sofrência para sertanejo
nenhum botar defeito. Aliás, o solo de guitarrada ao final da canção é
sensacional, daqueles de fazer air guitar.
É também um dos clássicos do Angra, dada sua beleza, inclusive ganhou um clipe
bastante lisérgico.
Z.I.T.O.
é um dos grande mistério do Angra, já que ninguém sabe exatamente o que
significa, corre uma lenda que é o apelido dado a um jovem que vivia pelas
cercanias da chácara onde a banda se recolheu para a pré produção do disco e
foi pego em situação embaraçosa. A banda nunca confirmou isso, mas usam esse
trecho da música como pista:
“Like a
teenager discovery
What's more delightful than this?”
What's more delightful than this?”
Enfim,
vá se saber.
O
disco chega sua conclusão com duas canções que não podiam ser mais diferentes
uma da outra, Deep Blue é dramática e grandiosa, órgãos bachianos, interlúdio
gregoriano terminando num epic metal e Andre Matos carregando nos agudos. As
letras são um poesia sobre a solidão nos oceanos, enfim tudo é grandioso, com
ares de clímax, mas nem nisso a banda queria soar previsível e o disco termina
da forma mais frugal possível, Lulaby for Lúcifer nada mais é que um voz e
violão do diálogo entre um abutre e um homem, aparentemente moribundo, por um
pedaço de carne, a música é acompanhada pelo som ambiente de gaivotas na praia,
som esse que encerra o disco.
Angra 1996 da esquerda para direita: Ricardo Confessori, Rafael Bittencourt, Andre Matos, Kiko Loureiro e Luis Mariutti |
Holy
Land foi e continua sendo um disco muito importante para mim e considero de
verdade um dos grandes momentos do metal. Para comemorar os 20 anos do disco
tanto o Angra quanto o vocalista Andre Matos estão fazendo turnês comemorativas
nessa segunda metade de 2016. Uma pena morar tão distante do eixo cultural do
país, mas sinceramente espero que tragam ao menos um dessas turnês para o Acre,
até porque um disco tão brasileiro quanto Holy Land merece ser comemorado em
todos dos cantos do país.
Um comentário:
Boa resenha! Se esse álbum tivesse uma pitada de ironia, poderia entrar pra semana de 22, inaugurando o modernismo brasileiro. Talvez até sem isso. É muito gênio. Ele fala, também, da construção de identidade em relação à nova terra e àqueles que ali já moravam... do pertencimento e não pertencimento. Isso tudo misturando estilos barroco, clássicos, folclóricos e metal. Pra mim, é coisa de gênios, que transcende o metal.
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