“Quando a política e a religião viajam no mesmo carro, os ocupantes acreditam que nada pode ficar em seu caminho. Seu movimento se torna um avanço de cabeça, cada vez mais rápido, mais rápido. Eles colocam de lado todo pensamento quanto aos obstáculos, e se esquecem de que um precipício não se revela para um homem em corrida cega, a não ser quando já é tarde demais.”
- Provérbio Bene Gesserit
Nota: 10
No futuro, em um império intergaláctico uma família nobre, os
Atreides, é nomeada pelo Imperador para reger um planeta desértico
chamado Arrakis ou Duna, local onde é produzida a especiaria
Melange, fonte de sabedoria e base de sustentação de todo império.
É através da Especiaria que os navegadores da poderosa Corporação
Espacial conseguem dobrar espaço (apenas com suas mentes) e realizar
as viagens interplanetárias; é através dela que os computadores
humanos, os Mentat, realizam seus complexos raciocínios auxiliando
os governantes a elaborar planos e reger seus reinos, e também é
através da especiaria que a ordem das Bene Gesserit, uma ordem
estritamente feminina, conseguem prever os diversos futuros possíveis
e através deles guiar a humanidade.
Porém os Atreides foram atraídos para uma armadilha, tramada por
seus arqui-inimigos a família Harkonnem e o próprio Imperador,
acuados num planeta desconhecido são atacados e o líder, Duque
Leto, acaba morto, seu filho Paul, contudo sobrevive, foge e é
acolhido pelo povo do deserto, os Fremmen que acreditavam que um
Messias lhes seria enviado de outro mundo para lidera-los à
liberdade. Assumindo esse papel, Paul, torna-se um líder político e
religioso e guia os Fremmen à uma guerra que abalará a produção
da especiaria e ameaçará o trono do próprio Imperador e converterá
planetas inteiros à nova religião através de uma Jihad que custará
bilhões de vidas humanas.
Embora seja, a princípio, uma história simples, Duna tem diversos
detalhes que o tornam um livro simplesmente cativante, em primeiro
lugar, seu personagens, complexos e profundos; os diálogos bem
construídos, embora excessivamente metafóricos as vezes; e sua
narração fluente e objetiva;
A ambientação da história também é marcante, não vemos aqui
robôs, computadores ultra-avançados, ao contrário, o universo de
Duna é muito mais similar à idade média, com planetas sendo, não
nações ou repúblicas, mas feudos sob o comando de Famílias da
Nobreza, que formam um conselho, o Landsraad. Ao invés de máquinas
modernas o que vemos são raças de seres humanos que evoluíram suas
próprias mentes e maquinas de raciocínio são proibidas com um
fervor supersticioso. A religião continua presente na humanidade,
geralmente sendo usada pelos nobres ou pelas Bene Gesserit para
controle e manipulação das massas.
Essa questão da religião é outro aspecto interessante do livro,
pois ao invés de focar nos aspectos científicos, como é o comum
nesse tipo de história, ele foca em aspectos filosóficos, políticos
e, principalmente, religiosos. A discussão sobre a perigosa relação
entre religião e política é uma constante ao longo do livro
levando a uma reflexão, principalmente através do personagem
principal, Paul, das nefastas consequências da união desses dois
extremos. Leis tornando-se Mandamentos, criminosos tornando-se
pecadores, oposicionistas tornando-se infiéis, todo livre pensamento
tornando-se punível como heresia, enfim, o livro escancara todos os
malefícios do estado teocrático e no meio de tudo isso vemos Paul,
o herói da história, que se vê meio de uma teia de acontecimentos
da qual ele não consegue escapar, alçado à condição de
divindade, acaba-se vendo preso ao seu destino e prevê através de
seus poderes premonitórios uma guerra santa terrível e cruel
liderada pela bandeira de sua família.
Enfim, sob uma roupagem de ficção científica, Duna é um incrível
e original romance psicológico e até mesmo filosófico, com
personagens cativantes e tramas intricadas (tramas dentro de tamas,
na linguagem do livro). Leitura mais que recomendada! O livro fez
tanto sucesso que virou uma série com sete volumes, que, embora
mantenham o alto nível do primeiro não conseguem supera-lo, mas
valem uma conferida, especialmente a parte dois O Messias de Duna,
que soa como uma conclusão dos fatos apresentados no primeiro livro.
Gildson Góes
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