Quando, resolveu sair
da sua vida reclusa e solitária, o velho novamente pensou: “esse tempo não é
pra mim, não há mais nada”. Estava ali naquela festa, sentado só numa mesa afastada no canto do salão, olhava
para o palco onde uma dupla de “muleques” de camisa quadriculada, era assim que
ele definia, tocavam uma espécie de sertanejo misturado com forró e algumas
guitarras. Cantavam sobre “pegação”, cerveja, sexo e carros turbinados enfim,
os temas de sempre, mas ainda assim, não funcionava para ele.
Aquele velho vivera sua juventude nos longínquos anos 70,
viveu fora do Brasil viajando como um errante pelos EUA e Europa, vivendo
intensamente cada dia, dias estes que a memória fraquejava em lembrar, mas
ainda recordava as drogas e orgias, os carros velhos que pifavam no meio da
estrada, as garotas, das quais não lembrava mais os nomes, cujos rostos
confundiam-se com um único, de uma única garota, a única que ele levaria na
memória até sua morte. Lembrou a fome, das noites dormidas em bancos de praças,
a vez em que fora assaltado e de uma “bad trip” que quase o fez se matar,
lembra ainda de jamais ter se sentido tão apavorado na vida, já não conseguia
lembrar se sofrera alguma overdose, mas as probabilidades apontavam que sim, é
ele vivera intensamente, mas sobrevivera.
Pensou em sair e ir pra
uma festa, beber e conversar, mas agora sentado só naquela mesa, ele via o
ridículo da situação, aquela balada não era lugar pra ele, isso era coisa de
outro tempo, ele era apenas uma relíquia
de uma década velha. Levantou-se e foi embora. Caminho pelas ruas, ainda era
madrugada, não tinha um pingo de vontade voltar pra casa naquele momento. Por
algum motivo o velho se sentia deprimido, era aquela frase a toda hora
martelando na sua cabeça: “esse tempo não é pra mim, não há mais nada” e ele
nem mesmo tinha a decência de morrer! Sentou sozinho numa praça ali ao redor e
ficou remoendo seus pensamentos amargurados.
Perdido em seus
raciocínios, o velho nem percebeu que a noitada terminara, as pessoas iam
embora da casa de show até que só restaram os funcionários. Quando até mesmo
esses foram embora, dois rapazes se despediram numa esquina e um deles seguiu
sozinho com seu violão, o rapaz não viu o velho, mas este viu o rapaz, viu
quando sentou num banco um pouco mais a frente do seu, olhando a paisagem e
afinando o violão, era um dos rapazes da dupla de sertanejos que tocava no
show. Viu que o rapaz tirava a camisa quadriculada que usava por cima de outra
branca, jogou-a de lado e começou a tocar seu violão para o nada.
De imediato o velho reconheceu a música e surpreendeu-se,
aquele jovem cantor de sertanejo universitário, tocando aquilo e comoveu-se
quando o menino começou a cantar numa voz impressionantemente afinada: “So, so you think you can tell, heaven from
hell, blue skies from pain...” a era Wish
You Were Here, do Pink Floyd, quantas vezes o velho já não cantara sozinho
essa música sobre tumulo de sua falecida esposa, aquela era uma das músicas
favoritas deles e agora ele a ouvia, vindo de um rapaz desconhecido num banco
de praça. Antes que percebesse ele se viu caminhando em direção ao jovem que
estava preste a iniciar a segunda estrofe quando velho emendou:
- Did they get you to trade,
your heroes for ghosts, hot ashes for trees, hot air for a cool breeze?
O
jovem se assustou um pouco no inicio, não tinha visto que havia alguém ali, mas
deixou que o homem completasse, com sua voz rouca e as vezes falha, o restante
da estrofe, não poucas vezes ele se achava o único a gostar dessas músicas
antigas, nenhum de seus amigos curtia e ele por vezes ficava horas sozinho
ouvindo músicas velhas no computador e tocando-as pra ninguém com seu violão. O
jovem não percebeu, mas estava sorrindo quando juntos ambos começaram a cantar
em coro.
- How I wish, how I wish you
were here, we’re Just two lost souls swimming in a fish bowl, year after year,
running over the same old ground, have you found, the same old fears? Wish you were here.
E assim ficou aquela inusitada dupla, cantando para
ninguém até o sol amanhecer quando enfim se cumprimentaram e cada um seguiu seu
curso. Naquela manhã o velho foi dormir sorridente e pensando: “Ainda há coisas
para mim nesse mundo”!
Gildson Góes
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