quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Um velho na madrugada.


Quando, resolveu sair da sua vida reclusa e solitária, o velho novamente pensou: “esse tempo não é pra mim, não há mais nada”. Estava ali naquela festa, sentado só  numa mesa afastada no canto do salão, olhava para o palco onde uma dupla de “muleques” de camisa quadriculada, era assim que ele definia, tocavam uma espécie de sertanejo misturado com forró e algumas guitarras. Cantavam sobre “pegação”, cerveja, sexo e carros turbinados enfim, os temas de sempre, mas ainda assim, não funcionava para ele.

Aquele velho vivera sua juventude nos longínquos anos 70, viveu fora do Brasil viajando como um errante pelos EUA e Europa, vivendo intensamente cada dia, dias estes que a memória fraquejava em lembrar, mas ainda recordava as drogas e orgias, os carros velhos que pifavam no meio da estrada, as garotas, das quais não lembrava mais os nomes, cujos rostos confundiam-se com um único, de uma única garota, a única que ele levaria na memória até sua morte. Lembrou a fome, das noites dormidas em bancos de praças, a vez em que fora assaltado e de  uma “bad trip” que quase o fez se matar, lembra ainda de jamais ter se sentido tão apavorado na vida, já não conseguia lembrar se sofrera alguma overdose, mas as probabilidades apontavam que sim, é ele vivera intensamente, mas sobrevivera.

Pensou em sair e ir pra uma festa, beber e conversar, mas agora sentado só naquela mesa, ele via o ridículo da situação, aquela balada não era lugar pra ele, isso era coisa de outro tempo, ele era apenas  uma relíquia de uma década velha. Levantou-se e foi embora. Caminho pelas ruas, ainda era madrugada, não tinha um pingo de vontade voltar pra casa naquele momento. Por algum motivo o velho se sentia deprimido, era aquela frase a toda hora martelando na sua cabeça: “esse tempo não é pra mim, não há mais nada” e ele nem mesmo tinha a decência de morrer! Sentou sozinho numa praça ali ao redor e ficou remoendo seus pensamentos amargurados.

Perdido em seus raciocínios, o velho nem percebeu que a noitada terminara, as pessoas iam embora da casa de show até que só restaram os funcionários. Quando até mesmo esses foram embora, dois rapazes se despediram numa esquina e um deles seguiu sozinho com seu violão, o rapaz não viu o velho, mas este viu o rapaz, viu quando sentou num banco um pouco mais a frente do seu, olhando a paisagem e afinando o violão, era um dos rapazes da dupla de sertanejos que tocava no show. Viu que o rapaz tirava a camisa quadriculada que usava por cima de outra branca, jogou-a de lado e começou a tocar seu violão para o nada.

De imediato o velho reconheceu a música e surpreendeu-se, aquele jovem cantor de sertanejo universitário, tocando aquilo e comoveu-se quando o menino começou a cantar numa voz impressionantemente afinada: “So, so you think you can tell, heaven from hell, blue skies from pain...” a era Wish You Were Here, do Pink Floyd, quantas vezes o velho já não cantara sozinho essa música sobre tumulo de sua falecida esposa, aquela era uma das músicas favoritas deles e agora ele a ouvia, vindo de um rapaz desconhecido num banco de praça. Antes que percebesse ele se viu caminhando em direção ao jovem que estava preste a iniciar a segunda estrofe quando velho emendou:
 
- Did they get you to trade, your heroes for ghosts, hot ashes for trees, hot air for a cool breeze?

O jovem se assustou um pouco no inicio, não tinha visto que havia alguém ali, mas deixou que o homem completasse, com sua voz rouca e as vezes falha, o restante da estrofe, não poucas vezes ele se achava o único a gostar dessas músicas antigas, nenhum de seus amigos curtia e ele por vezes ficava horas sozinho ouvindo músicas velhas no computador e tocando-as pra ninguém com seu violão. O jovem não percebeu, mas estava sorrindo quando juntos ambos começaram a cantar em coro.
 
- How I wish, how I wish you were here, we’re Just two lost souls swimming in a fish bowl, year after year, running over the same old ground, have you found, the same old fears? Wish you were here.

E assim ficou aquela inusitada dupla, cantando para ninguém até o sol amanhecer quando enfim se cumprimentaram e cada um seguiu seu curso. Naquela manhã o velho foi dormir sorridente e pensando: “Ainda há coisas para mim nesse mundo”!

 Gildson Góes

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Os Descordantes - Sair Daqui

Uma banda muito interessante do cenário acreano e pioneira no estilo de que chamo de "Saudosa Maloca Rock". Sair daqui é daquelas pra se ouvir bêbado!

Os Descordantes - Sair Daqui

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

RESENHA: A DUNA OU A HISTÓRIA DE COMO UM HOMEM SE TORNOU UM DEUS

Quando a política e a religião viajam no mesmo carro, os ocupantes acreditam que nada pode ficar em seu caminho. Seu movimento se torna um avanço de cabeça, cada vez mais rápido, mais rápido. Eles colocam de lado todo pensamento quanto aos obstáculos, e se esquecem de que um precipício não se revela para um homem em corrida cega, a não ser quando já é tarde demais.”

- Provérbio Bene Gesserit

Nota: 10

No futuro, em um império intergaláctico uma família nobre, os Atreides, é nomeada pelo Imperador para reger um planeta desértico chamado Arrakis ou Duna, local onde é produzida a especiaria Melange, fonte de sabedoria e base de sustentação de todo império. É através da Especiaria que os navegadores da poderosa Corporação Espacial conseguem dobrar espaço (apenas com suas mentes) e realizar as viagens interplanetárias; é através dela que os computadores humanos, os Mentat, realizam seus complexos raciocínios auxiliando os governantes a elaborar planos e reger seus reinos, e também é através da especiaria que a ordem das Bene Gesserit, uma ordem estritamente feminina, conseguem prever os diversos futuros possíveis e através deles guiar a humanidade.

Porém os Atreides foram atraídos para uma armadilha, tramada por seus arqui-inimigos a família Harkonnem e o próprio Imperador, acuados num planeta desconhecido são atacados e o líder, Duque Leto, acaba morto, seu filho Paul, contudo sobrevive, foge e é acolhido pelo povo do deserto, os Fremmen que acreditavam que um Messias lhes seria enviado de outro mundo para lidera-los à liberdade. Assumindo esse papel, Paul, torna-se um líder político e religioso e guia os Fremmen à uma guerra que abalará a produção da especiaria e ameaçará o trono do próprio Imperador e converterá planetas inteiros à nova religião através de uma Jihad que custará bilhões de vidas humanas.

Embora seja, a princípio, uma história simples, Duna tem diversos detalhes que o tornam um livro simplesmente cativante, em primeiro lugar, seu personagens, complexos e profundos; os diálogos bem construídos, embora excessivamente metafóricos as vezes; e sua narração fluente e objetiva;

A ambientação da história também é marcante, não vemos aqui robôs, computadores ultra-avançados, ao contrário, o universo de Duna é muito mais similar à idade média, com planetas sendo, não nações ou repúblicas, mas feudos sob o comando de Famílias da Nobreza, que formam um conselho, o Landsraad. Ao invés de máquinas modernas o que vemos são raças de seres humanos que evoluíram suas próprias mentes e maquinas de raciocínio são proibidas com um fervor supersticioso. A religião continua presente na humanidade, geralmente sendo usada pelos nobres ou pelas Bene Gesserit para controle e manipulação das massas.

Essa questão da religião é outro aspecto interessante do livro, pois ao invés de focar nos aspectos científicos, como é o comum nesse tipo de história, ele foca em aspectos filosóficos, políticos e, principalmente, religiosos. A discussão sobre a perigosa relação entre religião e política é uma constante ao longo do livro levando a uma reflexão, principalmente através do personagem principal, Paul, das nefastas consequências da união desses dois extremos. Leis tornando-se Mandamentos, criminosos tornando-se pecadores, oposicionistas tornando-se infiéis, todo livre pensamento tornando-se punível como heresia, enfim, o livro escancara todos os malefícios do estado teocrático e no meio de tudo isso vemos Paul, o herói da história, que se vê meio de uma teia de acontecimentos da qual ele não consegue escapar, alçado à condição de divindade, acaba-se vendo preso ao seu destino e prevê através de seus poderes premonitórios uma guerra santa terrível e cruel liderada pela bandeira de sua família.

Enfim, sob uma roupagem de ficção científica, Duna é um incrível e original romance psicológico e até mesmo filosófico, com personagens cativantes e tramas intricadas (tramas dentro de tamas, na linguagem do livro). Leitura mais que recomendada! O livro fez tanto sucesso que virou uma série com sete volumes, que, embora mantenham o alto nível do primeiro não conseguem supera-lo, mas valem uma conferida, especialmente a parte dois O Messias de Duna, que soa como uma conclusão dos fatos apresentados no primeiro livro.

Gildson Góes

domingo, 9 de setembro de 2012

RESNHA: Os Magos de Lev Grossman




Nota: 8
           
     Esta é a história de um otário, um otário chamado Quentin. Ele é aquele tipo de otário introvertido que vive uma vida fútil e sem significado, se entedia com tudo e todos e não vê absolutamente nenhuma perspectiva para seu futuro, pra se distrair desse marasmo ele pratica truques de mágica, no que, aliás, ele é muito bom, além de mergulhar no universo imaginário de sua série de livros favorita as histórias de Fillory. Este é o mundo de Quentin, mas tudo muda quando ele descobre que é um mago e ainda por cima foi selecionado para um teste especial em uma faculdade de magia, a partir daí Quentim entra em um novo mundo de magia, aventuras acadêmicas.
                Onde já ouvi isso antes? Harry Potter é claro, mas não se iluda esse livro nada tem a ver com as histórias de Potter, primeiro, é um romance mais adulto, com doses de cenas sexuais não totalmente explícitas, outro a parte do colégio é apenas uma parte do livro, uma espécie de imenso prólogo onde conhecemos melhor os personagens principais Quentin e Alice, cujo relacionamento amoroso vai dar o tom dramático da história e seus amigos Eliot, Janet e Josh, há ainda outros, mas são coadjuvantes.
                Os Magos impressiona mesmo pela construção da narrativa, começa cheio de pontas soltas e sem um objetivo específico na primeira metade, que chamarei parte da faculdade, porém todas as pontas soltas, sejam situações ocorridas ou personagens que apareceram na primeira parte e sumiram como se fossem simples ocorrências começam a retornar e guiar a história para uma direção de certa forma inesperada no inicio do livro. Então temos a historia de uma cara que não era feliz em sua vida de humano normal, descobre a magia, mas ainda assim ele sente aquele vazio dentro dele e acaba descobrindo que o universo mágico com o qual ele sempre sonhou, os livros de Fillory, não era apenas ficção, mas um universo real, e em toda essa viagem percebemos que de fato o que importa não é a magia, ou derrotar o vilão, só no final do livro descobrimos que havia um no fim das contas, o que importa é Quentin e sua busca por dar sentido a sua vida e parar de se odiar tanto.
                Porém esse fato dele odiar tanto sua vida acaba transformando o personagem principal de Os Magos num tremendo babaca que faz, ao longo do livro e de sua própria vida, uma merda atrás da outra, levando o eventual leitor a quase odiar o personagem, principalmente quando o resultado das suas idiotices acaba por custar muito caro aqueles que ele ama!
                Por fim, OS MAGOS acaba sendo uma mistura de Harry Potter com as Crônicas de Nárnia (sim, é isso mesmo), mas nem por isso é um romance paródia, é uma combinação de dois elementos fazendo surgir um terceiro, não inteiramente original, não inteiramente plágio, digamos então que presta uma homenagem! Seus maiores trunfos é criar uma história com uma boa carga dramática e mostrar que a magia pode ter seu lado trágico e macabro e que se você é infeliz consigo mesmo, não tem solução mágica pra isso, você será infeliz em qualquer lugar.


P.S. E aí, vou começar a fazer resenhas por aqui, digam aí abaixo se gostaram!