domingo, 23 de março de 2008

Chico Papagaio e Zé Cachorro (tragedia in due atti)


Ato I - FALL

Seu Chico Papagaio caminhava feliz, pelos altos dos muros, pelos altos telhados, pelas altas calhas, tudo alto, tudo belo de se ver por seus belos e alaranjados olhos de papagaio. Desconhecia sua origem, também, pouco se importava com ela. Ele queria saber de céu azulado, de nuvens brancas, de vento nas penas. Seu Chico era um papagaio feliz.
Mas tinha ambições, entre elas estava o coqueiro, tão alto e esplendoroso, suas ramificações pareciam tocar o véu azul do céu, lá se sentiria entre as nuvens, voando qual fênix, estaria alto, no alto, mais alto do que qualquer momento em sua vida de papagaio de casa, cantante, falante, bicante, de riso fácil, de raiva fácil. Come muito e muito caga. Era um papagaio, era da família e era amado. Ele também gostava daqueles estranhos sujeitos da terra, que riam e gostavam das estranhas palavras que repetia. E ria-se do que repetia aquela fala tão interessante e engraçada.
Ele tinha uma vida feliz. Ao não ser por seu Zé. Ô bicho rabugento e resmungão, toda vez que seu Chico tentava chegar ao Coqueiro lá vinha seu Zé, raivoso, latindo, pulando, não gostando de nada. Seu Chico não gostava nem um pouco daquele cachorro, tinha-lhe medo era verdade, mas ainda assim queria chegar no coqueiro e seu Zé não lhe impediria.
E foi então num dia de sol que seu Chico caminhou para sua terrível morte, com a coragem que sua alma de papagaio possuía ele subiu na palheira, Seu Zé não perdeu tempo e logo acorreu em direção ao coqueiro latindo desvairado. "É hoje que te abocanho". Seu Chico deu um grito, agarrou-se na palheira e subiu, passou para uma mais alta, um vento do norte começou a soprar, ele o sentiu em suas penas, subiu para outra mais alta, e continuou. Os latidos eram apenas vagos sons do chão, de um ser rabugento e chato que não sabia apreciar a beleza azul daquele céu, o brilho incandescente daquele sol, e contrastante frio do vento que soprava, Seu Chico estava nas nuvens, dali, via toda sua vizinhança, e cantou, assobiou, gargalhou, estava feliz e estava subindo.
Em verdade, é uma pena que palmeiras sejam tão frágeis em suas pontas, ou Seu Chico não teria caído para sua triste morte. Foi tão rápido e repentino que Seu Chico Papagaio nem mesmo sentiu a dor do impacto da queda, tudo que percebeu foi o rápido trote de Seu Zé, e então, não era dor ainda, apenas sua asa sendo arrancada de seu corpo por afiados dentes, ele teve a impressão de ter visto um líquido vermelho, “de onde será que jorrava?” ainda pensou antes de sua triste morte. A como é bom estar no alto. E sua alma voou e nunca mais voltou.

Ato II – LA VENDETTA

Seu Zé não gostava de Seu Chico, desde que ele chegara não tivera um único dia de paz, todo santo dia o maldito bicho aparecia em seu muro, falando como os bichos altos, querendo entrar no coqueiro, atrapalhando seu cochilo. Era cachorro valente, protegia sua casa, e no único momento que tinha para descansar o desgraçado do Chico não parava a tagarelice, e fala isso e fala aquilo e fala isso de novo e repete isso e aquilo pra falar aquilo, pra dizer isso que quer dizer isso e ri. Certa vez o desgraçado fora ao ponto de deixar um de seus restos fisiológicos sobre os nobres e limpos pelos de cachorro do seu Zé.

“Eu mato esse bicho” dizia para seu Zé pra seu Lucas da casa da frente.

“Mata não véi, mata papagaio é mó robada”.

Mas não havia jeito, uma hora abocanhava o bicho. E num é que um dia o bicho resolveu mesmo subir no coqueiro, e lá foi o papagaio. Seu Zé, correu, latiu, babou, arreganhou os dentes, proferiu impropérios, tudo para assustar Seu Chico, mas este se manteve impassível, Seu Zé se inflou de ódio, latiu como nunca antes, arranhou as patas na casca da árvore, andou de um lado para o outro em desespero, o maldito papagaio ia conseguir o que queria, e ele, o cachorro ia ficar naquela de bicho otário.

Entretanto parece que a sorte se compadeceu da vontade assassina do belo cachorrinho e a Dona ambição anuviou a cabeça de vento de Seu Chico e o deixou onde ele queria estar, nas nuvens, então veio a dona desilusão com a queda. A dona sorte sorriu, Seu Zé praticamente podia vê-la apontando para o vulto verde caindo.

“Vai meu querido animal. Vinga-te!”

Ele não fez por menos, a dona sorte era exigente, não dava a mão em auxilio duas vezes e lá foi. Abocanhou a asa do papagaio e a arrancou, sentiu o cheiro morno do sangue em suas narinas, como aquele bicho irritante era delicioso, iria devorá-lo todinho e defeca-lo depois para que o senhor fantasma do papagaio aprendesse a nunca mais fazer merda na sua pessoa. Abocanhou o peito do bicho e o arrancou fora, provou as tripas, o coração, o fígado, abocanhou todo. Então seus dentes manchados de sangue pararam.

Seus olhos caninos se arregalaram numa expressão de surpresa, num momento, viu a Dona Morte, a Dona Destino e a Dona Ironia, rindo-se, gargalhando-se dele. Em verdade, todas as malditas donas estavam rindo. Rindo do bicho otário. E lá no céu azul estava o fantasma do papagaio gargalhando para o céu dele.

O oxigênio se foi, ele caiu no chão, rolou, pulou, tentou latir, a boca cheia, cuspiu a carne de papagaio, menos a parte que tão desatentamente engolira. O Bico. A parte que mais odiara no maldito Chico Papagaio, ainda lhe reservara uma leve irritação final.

Bloqueio de traquéia. Fim da respiração. Falha metabólica. Agonia, horror, ridículo, sombra, riso, vingança, ódio, morte.

Vingança, vingança, vingança.

A alma de seu Zé se foi, e não olhou para trás.


Near

terça-feira, 18 de março de 2008

A Balada da Meia Noite.

O jovem senhor andava pelas ruas, as estrelas no céu, a lua cheia pairava num devaneio ilusório, cinco minutos faltavam para a meia noite. A rua esguia, calçada em tijolos, onde almas repousavam naquela noite, menos a do andarilho. A sombra do chapéu cobria seus olhos.
Lá estava o velho casarão mal-assombrado, ele e seus fantasmas do passado, da janela uma sombra etérea aparecia, o fantasma da garotinha, ela lhe acenava, ele lhe retribuiu o aceno. E seguiu com a doce melodia do vento a lhe fazer companhia.
O som das árvores e ar-condionados, seus passos seguiam o ritmo daquela noite profunda, a balada da meia-noite tocava, os fantasmas cantavam em um único som, suas almas se erguiam do solo, e mil coros de vozes defuntas entoavam aquela canção, era uma bela noite.
O intrépido rapaz não se assutava, ele até gostava da companhia dos mortos, eles lhe aplaudiam. O jovem andarilho levava o buquê para sua amada.
Lá estava a janela, ele entrou, depositou o buquê ao lado da jovem. Ela acorda e sorri para ele, uma carícia e um beijo. Ele se despede, já é tardia a hora, ele deve ir. Mais cinco minutos ela pede, ele concede. Conversam, riem, se abraçam, mas as vozes aumentam lá fora, todos estão cantando, os mortos cantam, está tudo tão iluminado. Já vai tarde a hora, é tempo de ir embora.
A manhã vem, a jovem acorda de seu sonho. Um antigo amor de infância, agora morto. Sonhara com ele, e quisera que fosse real. A surpresa aparece em sua face, ela se ilumina com um sorriso, lá está o buquê. Um até breve.
Um dia novamente os mortos cantarão a balada da meia noite e pela sua janela entrarei. E por mais um eterno segundo feliz serei.
Ela sorri, o sol floresce, mas ela ainda ouve vozes. Mal pode esperar pelo próximo concerto.

Near

quarta-feira, 12 de março de 2008

Histórias de seringueiros parte II


O vendedor de almas

Calma, calma, essa não é uma história de amedrontar, é apenas um relato do que uma pessoa é capaz pra conseguir o que deseja, sem medir as conseqüências.

Havia um seringueiro em algum seringal da vida na década de 60 que não se contentava com a vida que levava uma vida de exploração e muito trabalho, uma vida sofrida, como a de todo seringueiro.

Pensando em encontrar uma solução ele teve uma idéia!

Em virtude dessa idéia, anos depois ele tinha uma vida de se invejar, montou uma venda com tudo que tinha direito, começou a ganhar muito dinheiro, subiu na vida, financeiramente, pelo menos.

Pouco depois sua mulher o abandou, nunca disse o motivo pra ninguém. “Louca” diziam as demais mulheres, quem em sâ consciência deixaria um homem tão trabalhador que com tanto esforço conseguiu elevar a família a tão alto padrão?

É, elevou a vida, mas o custo foi alto!!

Sua filha que nascera pouco depois de sua sorte começar a sorri acabou suicidando-se.

Alguma coisa estava errada naquela família! Os demais moradores do seringal começaram a acreditar na história de que realmente o dinheiro não trazia felicidade, uma família tão bem estruturada financeiramente, mas tão infeliz no lar. Os mais supersticiosos afirmavam “é macumba”. E outros diziam “ é isso que dá não ir à Igraja”

Curiosos (e acredite, se na cidade tem fofoqueiro, imagina no seringal que não tinha nem uma televisão pra distrair o povo), começaram a investigar a fundo essa situação. E se espantaram com o que descobriram! Em uma noite na beira do rio Amonha ele conversava sozinho, aos berros e aos choros disse que desfazia o contrato, fazia o que fosse preciso, mas que desfizesse o contrato.

O danado na ânsia de enriquecer e ter uma vida de luxo prometeu a alma da filha antes de nascer ao Diabo!

Desde criança a menina era atormentada pelo chifrudo. Quando sua mãe descobriu resolveu ir embora e levar a criança, mas não adiantava mais, sua alma de tão atormentada resolveu partir de vez.

Arrependido tenta desfazer o contrato, mas era tarde demais, a alma do acordo já estava lá com no suplicio eterno, sua mulher havia sumido, e ele aos poucos estava ficando louco. O acordo estava terminado, e em vez de uma alma encomendada, o diabo levou três atormentadas.

segunda-feira, 10 de março de 2008

De Contos de Fada e Criticas Sociais!


_ Então!
_ Então o que?
_ Lá estava a Chapeuzinho Vermelho, caminhando sozinha pelo meio de uma floresta, desacompanhada, daí vem um lobo mau, devora a vozinha dela e ainda tenta devorar ela, certamente há uma referência à falta de segurança nas estradas, a falta de policiamento, iluminação e infra-estruta, é um reflexo do mundo atual. Sem sombra de dúvida. E ainda critíca os pais desnaturados que deixam suas filhinhas vagarem sozinhas em vez de irem eles mesmos. É isso que eu digo, crítica social meu irmão!
_ Tah, tah mas tipo... e Branca de Neve?
_ E é preciso explicar meu caro? Com essa venda de produtos com validade vencida por aí, intoxicação alimentar, transgênicos, e essa porrada toda de veneno que a gente ingere todo santo dia, é claro que a Maçã envenenada é um claro exemplo dessa falta de saúde alimentar. Já parou pra pensar nas tantas maçãs envenenadas que ingerimos todo santo dia!
_ Então meu irmão. O que você diz da Rapunzel?
_ Ah, esse é bom, tema deveras pertinente nos dias hoje, um cruel e triste retrato da humanidade falida, Pai de família é obrigado a roubar a alface que a mãe tanto desejava para sua filhinha ainda no ventre, e depois a bruxa dona das alfaces leva a filha e a prende numa torre. A Bruxa meu irmão, é o Capitalismo, a alface tão rara, é o alimento, que é negado aos pobre forçando-os a roubar para alimentar a família. E a filha presa, é para onde entregamos nossos filhos, para um mundo onde eles se isolam cada vez mais em suas torres. É um mundo triste.
_ Ahn. Que tal para de beber agora?
_ Mas ainda nem falei de Alice no Pais das Maravilhas, Drogas meu irmão, é isso que a droga faz com nossos jovens, os faz ir ao país das maravilhas e depois os jogam na realidade viciante de..... Hei véi? Cadê tu?

Besteirol Garantido, espero que tenham curtido....
Bonna Notte
Near

domingo, 2 de março de 2008

Daquilo melhor escrito que assistido.


Poesia, minha tia, ilumine as certezas dos homens e os tons de minhas palavras. É que arrisco a prosa com balas atravessando os fonemas. É o verbo, aquele que é maior que o seu tamanho, que diz, faz e acontece. Aqui ele camabaleia baleado. Dito por bocas sem dentes nos conchavos de becos, nas decisões de morte. A areia move-se nos fundos dos mares. A ausência de sol escurece mesmo as matas. O líquido-morango do sorvete mela as mãos. A palavra nasce no pensamento, desprende-se dos lábios adquirindo alma nos ouvidos, e às vezes essa magia sonora não salta a boca porque é engolida a seco. Massacrada no estômago com arroz e feijão a quase-palavra é defecada ao invés de falada.
FALHA A FALA. FALA A BALA.

LINS, Paulo. A cidade de Deus. 2ª edição. Ed. Companhia das Letras. São Paulo-SP
2002

Fala a palavra falada,
fala palavra escrita,
fala prosa,
fala poesia.

Assistir Cidade de Deus é bom, ler é ifinitamente melhor, mas engraçado mais triste, mais bizarro. Histórias escritas são sempre melhores escritas. Historias filmadas são sempre melhores filmadas. Daí o titulo.
Um livro de poesia das balas e da morte, da violência e felicidade coberta de medo.
Da polícia do marginal.
O filme não capitou a poesia, e sim a realidade.
Eu prefiro a poesia de uma realidade fudida.
Near