segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Sobre Hebe e Raul Seixas


Eu poderia muito bem ter passado minha noite de domingo relembrando a carreira, obras, ditos e feitos de Hebe Camargo, aquela icônica apresentadora televisiva e distribuidora de selinhos. Mas sinceramente, nunca gostei de Hebe Camargo, não como apresentadora  pelo menos, jamais assisti um programa dela inteiro, Hebe jamais fez parte da minha vivência com a televisão e não seria na hora de sua morte que eu desrespeitaria a memória da apresentadora, fingindo sentir falta de alguém que jamais fez parte da minha vivência televisiva.

Apesar reconhecer a história e importância de Hebe na TV, pra mim ela sempre pareceu, muito mais, uma senhorinha simpática que acabou ganhando um programa e fama. Então é isso, vai em paz Hebe!

Mas falava de domingo a noite, quando assisti um grande (tanto literal quanto metaforicamente falando) documentário sobre a vida de um dos grandes rockeiros dessa nação chamada Brasil. Raul, o início, o fim e o meio é um registro focado basicamente na vida musical de Raul e nas suas influências que ele teve para criar sua música, resvalando em alguns inevitáveis aspectos mais íntimos da vida dele, mas apenas quando necessário, o foco mesmo desse doc é o músico.

O filme também não se aprofunda muito na discografia do cantor preferindo se focar nas canções clássicas e significados. O trabalho de pesquisa foi muito bem realizado aqui, pois há farto material em vídeos, fotos e recorte de jornais da época, também uma vasta gama de personalidades que trabalharam e conviveram com o cantor ao longo dos anos: esposas, filhas, produtores musicais, parceiros de composição e até mesmo alguns satanistas. 

O documentário se encerra de maneira comovente, mostrando o reencontro no palco entre Raul e seu ex-colega de composição Paulo Coelho onde os dois cantam juntos Sociedade Alternativa, é um momento bem bacana da vida e daí já pulando para o relato de sua morte feito pelas últimas pessoas a vê-lo com vida, destacando uma frase interessantíssima de Marcelo Nova, último parceiro do cara onde ele diz que Raul morreu de pé, aplaudido e não bêbado e esquecido. Se pararmos pra pensar um pouco, não tinha maneira melhor de Raul Seixas deixar essa vida mesmo!

Gildson Góes

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Um velho na madrugada.


Quando, resolveu sair da sua vida reclusa e solitária, o velho novamente pensou: “esse tempo não é pra mim, não há mais nada”. Estava ali naquela festa, sentado só  numa mesa afastada no canto do salão, olhava para o palco onde uma dupla de “muleques” de camisa quadriculada, era assim que ele definia, tocavam uma espécie de sertanejo misturado com forró e algumas guitarras. Cantavam sobre “pegação”, cerveja, sexo e carros turbinados enfim, os temas de sempre, mas ainda assim, não funcionava para ele.

Aquele velho vivera sua juventude nos longínquos anos 70, viveu fora do Brasil viajando como um errante pelos EUA e Europa, vivendo intensamente cada dia, dias estes que a memória fraquejava em lembrar, mas ainda recordava as drogas e orgias, os carros velhos que pifavam no meio da estrada, as garotas, das quais não lembrava mais os nomes, cujos rostos confundiam-se com um único, de uma única garota, a única que ele levaria na memória até sua morte. Lembrou a fome, das noites dormidas em bancos de praças, a vez em que fora assaltado e de  uma “bad trip” que quase o fez se matar, lembra ainda de jamais ter se sentido tão apavorado na vida, já não conseguia lembrar se sofrera alguma overdose, mas as probabilidades apontavam que sim, é ele vivera intensamente, mas sobrevivera.

Pensou em sair e ir pra uma festa, beber e conversar, mas agora sentado só naquela mesa, ele via o ridículo da situação, aquela balada não era lugar pra ele, isso era coisa de outro tempo, ele era apenas  uma relíquia de uma década velha. Levantou-se e foi embora. Caminho pelas ruas, ainda era madrugada, não tinha um pingo de vontade voltar pra casa naquele momento. Por algum motivo o velho se sentia deprimido, era aquela frase a toda hora martelando na sua cabeça: “esse tempo não é pra mim, não há mais nada” e ele nem mesmo tinha a decência de morrer! Sentou sozinho numa praça ali ao redor e ficou remoendo seus pensamentos amargurados.

Perdido em seus raciocínios, o velho nem percebeu que a noitada terminara, as pessoas iam embora da casa de show até que só restaram os funcionários. Quando até mesmo esses foram embora, dois rapazes se despediram numa esquina e um deles seguiu sozinho com seu violão, o rapaz não viu o velho, mas este viu o rapaz, viu quando sentou num banco um pouco mais a frente do seu, olhando a paisagem e afinando o violão, era um dos rapazes da dupla de sertanejos que tocava no show. Viu que o rapaz tirava a camisa quadriculada que usava por cima de outra branca, jogou-a de lado e começou a tocar seu violão para o nada.

De imediato o velho reconheceu a música e surpreendeu-se, aquele jovem cantor de sertanejo universitário, tocando aquilo e comoveu-se quando o menino começou a cantar numa voz impressionantemente afinada: “So, so you think you can tell, heaven from hell, blue skies from pain...” a era Wish You Were Here, do Pink Floyd, quantas vezes o velho já não cantara sozinho essa música sobre tumulo de sua falecida esposa, aquela era uma das músicas favoritas deles e agora ele a ouvia, vindo de um rapaz desconhecido num banco de praça. Antes que percebesse ele se viu caminhando em direção ao jovem que estava preste a iniciar a segunda estrofe quando velho emendou:
 
- Did they get you to trade, your heroes for ghosts, hot ashes for trees, hot air for a cool breeze?

O jovem se assustou um pouco no inicio, não tinha visto que havia alguém ali, mas deixou que o homem completasse, com sua voz rouca e as vezes falha, o restante da estrofe, não poucas vezes ele se achava o único a gostar dessas músicas antigas, nenhum de seus amigos curtia e ele por vezes ficava horas sozinho ouvindo músicas velhas no computador e tocando-as pra ninguém com seu violão. O jovem não percebeu, mas estava sorrindo quando juntos ambos começaram a cantar em coro.
 
- How I wish, how I wish you were here, we’re Just two lost souls swimming in a fish bowl, year after year, running over the same old ground, have you found, the same old fears? Wish you were here.

E assim ficou aquela inusitada dupla, cantando para ninguém até o sol amanhecer quando enfim se cumprimentaram e cada um seguiu seu curso. Naquela manhã o velho foi dormir sorridente e pensando: “Ainda há coisas para mim nesse mundo”!

 Gildson Góes