O Favorito para o Oscar
O Agente Secreto é o mais novo filme de Kleber Mendonça Filho e o atual favorito brasileiro na corrida para o Oscar 2026 — uma corrida que já começa animada com a vitória, no concurso anterior, do filme brasileiro Ainda Estou Aqui, vencedor do prêmio de Melhor Filme Estrangeiro.
É complicado fazer uma sinopse de O Agente Secreto sem entregar a história, porque ela vai sendo revelada em camadas ao longo do filme. Marcelo, personagem de Wagner Moura, é o protagonista da película. Ele chega ao Recife para ver o filho e fica hospedado no edifício de Dona Sebastiana. Tem um encontro marcado no Instituto de Identificação de Recife, onde há uma promessa de trabalho. Isso é o suficiente para, a partir daí, construir o mistério em torno desse homem que claramente está fugindo.
A narrativa se passa nos anos 70 e tem como plano de fundo a ditadura empresarial-militar brasileira. Embora a ditadura em si não seja o centro da história, ela é parte integrante do cenário e influencia todas as ações dos personagens.
Um filme sobre memórias
Uma característica do cineasta Kleber Mendonça é que seu cinema é, basicamente, um cinema sobre memórias. Que memórias? Eu diria que as próprias memórias do diretor: as memórias de sua cidade, de sua família, da cultura de seu povo, de seu amor pelo cinema, de seu amor pelo Recife — todas essas memórias que fazem parte do todo que é a memória de uma pessoa e que, em nossas mentes, acabam se fundindo e se tornando uma só memória.
Vou tentar exemplificar isso. Em determinado momento do filme, várias cenas se passam no cinema São Luiz, que já foi destaque no filme anterior do diretor, Retratos Fantasmas, onde vemos cenas bem longas de A Profecia, clássico do terror. O sogro de Marcelo é Seu Alexandre, projecionista do Cine São Luiz; as cenas de Seu Alexandre, suado e sem camisa na sala de projeção, remetem diretamente ao projecionista real do cinema que aparece em Retratos Fantasmas. Cenas como essas remetem claramente às memórias pessoais do diretor, que ele agrega à sua narrativa.
Mas não é só isso. Em determinados momentos temos uma longa e dramatizada cena sobre o terror da Perna Cabeluda — uma perna assombrada e sem corpo que aterrorizava as ruas do Recife. A perna é apenas uma lenda, mas a lenda em si é real e de fato apareceu em um jornal do Recife. Ou ainda há o drama do filho de uma empregada doméstica que foi atropelado por descuido da patroa enquanto a mãe trabalhava, o que nos remete ao caso do menino Miguel, que caiu do nono andar do prédio em que sua mãe trabalhava, por negligência da patroa Sari Corte.
Todas essas memórias são, ao fim, memórias — sejam elas pessoais ou históricas. Em Ainda Estou Aqui, eram as memórias que Marcelo Rubens Paiva tinha de sua mãe, mas que também eram as memórias da ditadura empresarial-militar brasileira. Em O Agente Secreto, essas memórias vêm condensadas de forma mais sutil, uma vez que não se trata de uma narrativa que aconteceu de fato, mas de uma narrativa fictícia que nos traz memórias reais de um tempo que realmente existiu: o tempo das grandes salas de cinema, dos carnavais de rua, da repressão e do silenciamento.
James Bond brasileiro?
Kleber Mendonça nunca foi muito fã de explicar as coisas tintim por tintim. Seus filmes são abertos à interpretação, e isso pode enriquecer a experiência para muitos que assistirem ao filme, mas também pode ser frustrante para outros tantos. Não acho que o que vou dizer aqui entregue a trama, mas o fato é que não existem agentes — muito menos secretos — nessa história. Eu compararia esse filme mais a Os Infiltrados, de Martin Scorsese, porque a metáfora do “agente secreto” aqui é sobre a perda da identidade, sobre viver escondido com medo de uma ameaça real, mas sem forma, que pode ser encontrada virando a esquina.
Ditadura militar, mas também empresarial
Uma das memórias mais importantes que esse filme resgata para mim — e que vi sendo pouco comentada nas críticas e resenhas — é o aspecto empresarial da ditadura. Em Ainda Estou Aqui, vimos a presença constante e ameaçadora dos militares, as câmaras de tortura e os desaparecimentos pelas mãos do Estado brasileiro.
O Agente Secreto traz outra faceta, também muito importante: o caráter empresarial dessa ditadura. Neste filme, os militares pouco aparecem. A opressão ditatorial surge na figura de um ignominioso empresário do setor elétrico chamado Ghirotti, antagonista principal que deseja a morte de Marcelo como queima de arquivo para suas próprias corrupções.
Legal, mas leva o Oscar?
Acredito que todos estão bastante otimistas, mas tenho para mim que falta a O Agente Secreto aquela sensação de catarse, de superação, que Hollywood tanto aprecia em seus filmes. Isso não é um demérito, porque, em certo sentido, Mendonça fez um filme muito mais brasileiro que Walter Salles: um filme sem um final fácil, um final que deixa um gosto amargo na boca de quem assiste. Se a cena final de Ainda Estou Aqui traz esperança, a cena final de O Agente Secreto deixa uma sensação de vazio, de incompletude — como um quebra-cabeça que ficou por terminar.
E acredito que esse final meio amargo é o que pode nos tirar da corrida pelo Oscar. A Academia gosta de filmes-conforto, filmes que nos digam que a vida é dura, mas a recompensa vem no final. Mendonça não entrega isso, e ainda bem — porque, se entregasse, não seria um filme de Kleber Mendonça Filho, um dos mais originais, brasileiros e pernambucanos diretores de cinema.
Mal posso esperar pela sua próxima obra!
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