sábado, 9 de agosto de 2008

Os Pesadelos do trabalhador honesto à meia noite - ou - O Psicótico do Cutelo*

Aquela vida de horas extras não era para ele, o honesto trabalhador, se via obrigado a voltar para casa no último ônibus, bem sabia ele da má fama das ruas de seu bairro durante a noite, mas o que fazer, havia trabalho e tinha que ser feito, pelo menos a hora extra daria para comprar aquele vestido para o aniversário da mulher e mais algumas coisas para as crianças é claro, quem sabe até sobrasse um dinheirinho para fazer uma festa, a patroa certamente iria gostar.
Porém, tudo nessa vida possui um problema, e um deles era aquele sujeito no fundo do ônibus, antipatisara com ele desde o momento em que vira aquela expressão débil, de olhos arregalados e de boca aberta, e o velho maluco parecia ter fixado sua atenção nele, vez ou outra o trabalhador honesto voltava seu olhar para os fundos do ônibus, assim desfarçadamente, e lá estava aquela expressão idiota e apavorante, olhando, encarando, escondando uma gama de pensamentos terríveis sob aquele rosto. O velho parecia assutado, mas era o trabalhador honesto quem realmente estava assustado, e um tanto quanto revoltado, quem diabos era aquele velho para lhe estar incomodando a essas horas da noite? Já não era o suficiente trabalhar horas a mais do que já devia trabalhar? Assim era demais.
Pelo menos era hora de sair do ônibus, iria se livrar do velho esquisito, qual nada. Lá estava, enquanto o honesto trabalhador seguia seu rumo para a rua, lá estava o velho, em pé e parado, na parada, olhando para ele se distanciar, não se movia, nem mesmo um pouco.
O trabalhador, seguiu seu rumo, ainda assustado, não gostava da sensação de estar sendo perseguido, afinal, não trabalhava honestamente? Não conseguia dinheiro com seu suor? Não era correto e religioso, não pagava seus impostos? Por que afinal devia passar semelhante e incomoda situação? Já não era o bastante ter seu chefe lhe amolando, querendo tudo para a amanhã de manhã, sendo que lhe passou serviço faltanto quinze minutos para terminar o horário de serviço, claro, o chefe ia embora em seu carro do ano, e no horário, devia estar transando com as putas em algum motel nesse momento, algum motel caro. Que pege AIDS filho da puta! pensa o honesto trabalhador. E ele obrigado a andar nas ruas escuras, iluminadas por miseráveis postes alaranjados que só fazer é aumentar o ar tenebroso da rua, com um velho esquisito que - Queira Deus - ainda está lá parado na parada.
Ele realmente não estava afim de olhar para trás, só para ver aqueles terriveis olhos esbugalhados e aquela expressão morta viva, vindo lentamente em sua direção. Certamente, ele não estava ali, era tudo paranóia, era isso de voltar a meia noite para casa. Mas e se o velho estivesse ali, não havia realmente acontecido casos de assassinato na cidade? Era o psicótico do cutelo como os jornalistas - ô racinha essa!!!! - o chamaram? Seria ele? Não, maluquice. E por que não? Ele era estranho suficiente para isso, não era? É só um bêbado. Não é só um bebado, corre! Que correr que nada afinal já estou quase em casa! Corre ele ta chegando, não ta ouvido? O que, só o ruido dos ar-condicionados. Seu idiota, não tá escutando essas batidas, parecem passos não, chegando, chegando, perto, perto, atrás de Você!
De fato, passos, perto. Ele não quis olhar, estava perto demais, não podia ser o velho, ele estava lá, distante, parado na parada. Mas esses malucos sempre têm um jeito. Ai meu Deus! Eu não vou olhar, vou correr. Não seja idiota olhe, vai ver que não é nada.
Chegando, chegando, chegando.
Com uma rápida guinada ele olha. E vê a coisa mais inesperada que já viu.
Um cachorro carregava em seu dentes um cesto de lixo, o só de passos, não era mais que o só do cesto de plástico batendo contra as patas do cachorro. O cachorro continuou, tranquilamente e calmamente, seus passos em direção a um portão de ferro, lançou aquele olhar de - como vai compadre - despreocupação na direção do trabalhador honesto. Chegando no portão começou a bater nele com sua pata.
_ Cachorro esperto esse. - acho que vou comprar um com o dinheiro das horas extras, pensou o trabalhador.
E seguiu, tranquilo e calmo, seu caminho para a sua casa, não estava realmente muito mais longe dali.
Chegou ao portão, abriu o cadeado, com a tranquilidade e a calma que só os honestos trabalhadores e cumpridores do seu dever, podem ter. Lançou novamente um olhar para cachorro, por simples curiosidade, para ver ser este já havia entrado em casa e caso não para testemunhar novamente o divertido episódio do cesto de lixo.
Pena que o chachorro jamais entraria em casa.
A cabeça canina estava suspensa na esquerda de um velho psicótico, extendida para o alto como um ritual, o corpo jazia no chão sangrando pelo grande buraco que fora o pescoço do cachorro. Na mão direita do algoz havia um cutelo refletindo a luz alaranjada do poste. O assassino olhou para o honesto trabalhador, que a essa altura já estava com o coração na mão e uma imensa necessidade de utilizar o banheiro, era o velho do ônibus, ele constatou, entrou em casa, trancou o portão, a porta, as janelas.
Naquela noite, depois de dar o costumeiro beijo de boa noite em sua esposa, olhando para o teto e revendo a cena grotesca, ele pensou.
Acho que vou mesmo é comprar um carro.


Gildson Góes.

* Levemente baseado em fatos reais. Muito levemente.

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