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A Coisa, enfim uma adaptação decente de Stephen King


It ou A Coisa é um dos maiores clássicos do autor norte americano Stephen King. Um tijolaço que varia de 900 e tantas à mais de mil páginas dependendo da edição, a minha tem menos de mil, mas uma letra do tamanho de bula, lê-lo, aos quinze anos de idade, foi quase uma malhação pros bíceps. Pra quem gosta de terror, fantasia e prolixidade o livro é um deleite. Eu adorei quando o li, até chegar ao final, mas disso falaremos em outro momento.

A sinopse de It no livro começa falando de uma cidade assombrada no Maine onde sete crianças conheceram o terror pela primeira vez. A tal cidade é Derry uma pequena e pacata (pero no mucho) cidade do interior norte americano, aquele tipo de lugar idílico onde todo mundo se conhece e vive num ambiente de suposta tranquilidade e boa vizinhança. Mas tal tranquilidade é apenas uma fachada, uma presença aterrorizante vive nos subterrâneos de Derry, se alimentando de crianças e medo e as sete crianças, também conhecidos como o clube dos perdedores, são os únicos capazes de enfrentar a criatura.

A maior proeza de King em seu livro é criar, em prosa, uma cidade completa, em sua rica e sombria complexidade. Derry tem seus pontos de referências muito bem delineados, tem uma história longa e rica, contada através das pesquisas de Mike Hanlon, no livro ou Ben Hascon, no filme. Com liberdade, e espaço para escrever, King trata também de delinear o perfil psicológico da cidade, o que pode inclusive ser visto como uma verdadeira critica social à classe média norte americana. Isso porque, acima de tudo, Derry é uma cidade hipócrita. Na sua fachada cidadãos pacíficos e felizes, mas no fundo são cheios de ódio e rancor, como descobriu da pior forma Adrian Mellon (opa... ainda não é hora de mencionar ele... pra quem só viu o filme).

Nesse meio temos Pennywise, o monstro palhaço que habita nos esgotos de Derry. Um monstro que ataca e devora crianças se alimentando principalmente de seu medo. Parcimonioso, na tradução brasileira dos livros, é como uma encarnação de tudo de podre que tem na cidade, representado principalmente pelos adultos, que, de certa forma, são os grandes vilões da história. Como o pai pedófilo de Berverly, a mãe hipocondríaca de Eddie, os pais ausentes de Bill ou ainda o pai psicopata de Henry Bowers, uma criança corrompida pela maldade de Derry e vilão de segunda linha. Reforça essa visão o fato de que o palhaço é invisível aos adultos e sua matança histórica e periódica é ignorada pelas autoridades incapazes de ver que algum mal está a solta na cidade. Não seria de espantar que Pennywise fosse um ponto de conjunção de toda a maldade de Derry, uma abominação surgida do mal, nas palavras de Don Haggarty à Harold Gardener (calma, vocês vão conhecê-los) quando perguntado quem era o palhaco: "Era Derry, era esta cidade"

O filme, apesar da compreensível e inevitável necessidade de reduzir a história e seu contexto para encaixar na curta duração de um filme, conseguiu colocar em tela todas as diversas facetas do livro, algumas com mais enfoque outras com menos, obviamente. A coisa é muito mais que um palhaço, embora no filme ele praticamente só apareça nessa forma, questão de criar uma identidade visual bem definida. Os vilões adultos também estão lá, mas sua representação é mais leve que no livro, bem como hipocrisia da cidade também é mostrada, ainda que de forma sutil e não escancarada como livro, onde é perceptível que a cidade é a Coisa são uma só. Há também no livro uma viajada psicodélica cósmica envolvendo uma Tartaruga, mas isso filme optou por deixar de fora (ainda bem), vamos ver no segundo.

Quanto aos atores, que beleza de escalação, os atores mirins todos estão ótimos, representações perfeitas do livro, Bill Gaguinho é o líder nato, Richie é chato e boca suja, com um bônus, no filme ele é engraçado, no livro só chato, Eddie e Stan são os relutantes, Beverly é tão linda, ruiva e forte quanto no livro, Ben é inteligente e tímido e Mike é forte, o negro num mundo de brancos, ainda tendo que enfrentar o racismo que jamais sumiu na sociedade, principalmente quando se fala de Derry. O roteiro é excelente, não deixa pontas soltas, se por um lado corta muita coisa legal (e violenta), também corta muitos exageros (bizarros) típicos de King, leva bem ao pé da letra o bordão de Pennywise "Você também vai flutuar", no livro é mais uma força de expressão mesmo e dá um desfecho diferente, mas satisfatório a essa primeira metade da história, aliás diferente mesmo só o modus operandi, mas o resultado é o mesmo.



O Terror fica só na nomenclatura já que não dá medo nenhum, muito mais uma versão dark e pesada dos Goonies ou, pra pegar uma referência mais contemporânea, Stranger Things, o fato de terem escalar um ator da série pra interpretar Richie Tozier só reforça isso. É a melhor adaptação de King desde O Nevoeiro (aquele do Frank Darabont, não aquela porcaria da Netflix) e aguardo com uma mistura de ânsia e cautela a segunda parte, o filé do livro é a história das crianças, a fase dos adultos é mais ou menos, os roteiristas vão ter que fazer um ótimo trabalho pra superar essa primeira parte.

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