Da economia da borracha à capital moderna — a história da cidade que nasceu no coração da floresta amazônica.
Quando o cearense Neutel Maia subiu o Rio Acre, em 1882, à procura de terras férteis e novas oportunidades, ele não imaginava que ali estava lançando as bases de uma capital. O seringal “Empreza”, fundado por ele, seria o embrião do que viria a se tornar Rio Branco, uma das capitais da Amazônia Ocidental brasileira.
Essa trajetória — de entreposto da borracha a centro urbano regional — é contada em detalhes pelo geógrafo Ary Pinheiro Leite, em sua dissertação “A Evolução Urbana de Rio Branco (AC): De Seringal a Capital”, defendida na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O trabalho revela como as transformações políticas, econômicas e sociais moldaram a cidade ao longo de mais de um século.
O nascimento às margens do rio
No final do século XIX, o boom da borracha movimentava o coração da Amazônia. A demanda internacional pelo látex atraía migrantes de todo o país — principalmente nordestinos — para os seringais acreanos. Entre eles, estava Neutel Maia, que viu na curva do rio um ponto estratégico para instalar seu seringal e seu porto de comércio.
"Ia terminando o ano de 1882. O vapor Apihy subia o rio com esforço para suas máquinas e seus homens. Não havia paradeiro certo. O grupo de pioneiros estava entrando em território ainda indomado. [...] Procuravam principalmente, sinais das árvores mais cobiçadas da Amazônia: as seringueiras que generosamente ofertavam seu leite branco para enriquecer a multidão de nordestinos que começava a perseguir um futuro melhor e mais farto. Identificar terras ricas em seringueiras era, portanto, o principal objetivo de todos ali embarcados. [...] A bem da verdade, todas as terras cortadas pelo rio Acre eram muito ricas em seringueiras. Fazia tão pouca diferença estar aqui ou ali, que os sinais para a escolha de um lugar para se estabelecer podiam ser completamente lógicos ou mesmo bastante subjetivos. Como saber, então, o que atraiu a atenção de Neutel Maia e seus companheiros para aquela volta pronunciada do rio, apenas seis horas acima do Bagaço? Talvez tenha sido o estirão que revelava terras baixas em sua margem direita e terras altas à sua esquerda numa excelente composição para o desenvolvimento de direfentes atividades econômicas. Ou talvez tenha sido mesmo a presença de um grossa e ereta árvore bem a cavaleiro da curva do rio, perfeita para amarrar com segurança os cabos das embarcações e inexplicavelmente bela. Como saber? Pois foi ali, no dia 28 de dezembro (parece) de 1882, exatamente aos pés da imponente Gameleira que Neutel Maia resolveu fundar sua Empreza.
(Belíssimo texto de Marcus Vinicius Neves, 2007, citado por Ary Pinheiro Leite)
Assim nasceu o núcleo que daria origem à futura cidade de Rio Branco. Com o passar dos anos, o povoado prosperou, abrigando casas comerciais, barracões e pequenas embarcações conhecidas como regatões, que levavam e traziam mercadorias pelo rio.
A cidade recebeu diferentes nomes — “Empreza”, “Penápolis”, em homenagem ao presidente Afonso Pena e, finalmente, “Rio Branco”, em homenagem ao Barão do Rio Branco, diplomata responsável pela incorporação do Acre ao território brasileiro.
Da crise da borracha à consolidação da capital
O primeiro grande abalo veio em 1913, quando a concorrência asiática derrubou o preço da borracha e mergulhou a economia amazônica em crise. Em Rio Branco, a retração econômica foi compensada pela força do comércio sírio-libanês, que sustentou o dinamismo local e ajudou o povoado a resistir.
Em 1920, Rio Branco foi oficialmente escolhida para ser a capital do Território Federal do Acre. Surgiram então as primeiras obras de infraestrutura urbana: o Mercado Municipal, o Palácio Rio Branco e o Quartel da Guarda Territorial. Nas décadas seguintes, o governo territorial incentivou a criação das primeiras olarias e promoveu melhorias urbanas que deram nova fisionomia à cidade.
A Segunda Guerra e a Batalha da Borracha
Durante a Segunda Guerra Mundial, o bloqueio japonês à produção asiática de borracha reativou o comércio amazônico. O governo brasileiro convocou milhares de trabalhadores nordestinos — os “Soldados da Borracha” — para os seringais da região.
O crescimento populacional forçou o governo a criar colônias agrícolas em torno da cidade, que dariam origem a bairros como Aviário, São Francisco e Estação Experimental. Foi o início de uma expansão urbana que mudaria para sempre a paisagem da capital acreana.
Urbanização acelerada e novos desafios
A partir dos anos 1970, com as políticas de integração nacional da Ditadura Militar, o Acre recebeu um novo fluxo migratório. Agricultores e famílias do interior se mudaram para Rio Branco em busca de melhores condições de vida. O resultado foi uma explosão urbana: de 34 mil habitantes em 1970, a cidade saltou para mais de 200 mil em 1996.
Esse crescimento rápido, porém, trouxe problemas típicos das grandes cidades: ocupações irregulares, falta de infraestrutura, desigualdade social e favelização. Ainda assim, Rio Branco consolidou-se como pólo político e econômico da Amazônia Ocidental.
Da floresta ao concreto: o novo século
Nos anos 1980 e 1990, o comércio local se modernizou e novas empresas começaram a se instalar na capital. Já nos anos 2000, obras urbanas como o Parque da Maternidade e a revitalização do centro histórico simbolizaram uma nova fase de planejamento urbano e de valorização dos espaços públicos.
Hoje, Rio Branco combina tradição e modernidade (muito embora, tristemente, a tradição venha sendo cada vez menos valorizada por aqui). Seu traçado urbano guarda memórias do tempo dos seringais, mas também reflete a vida dinâmica e cada vez mais caótica de uma capital em crescimento — conectada ao Brasil e ao mundo, porém arrisca perder sua identidade amazônica.
Uma cidade que conta a história da Amazônia
A pesquisa de Ary Pinheiro Leite mostra que a história de Rio Branco é, na verdade, um espelho da própria história da Amazônia brasileira. Nascida do ciclo da borracha, moldada pela migração e transformada pela urbanização, a capital acreana sintetiza o desafio de crescer entre o verde da floresta e o cinza do asfalto.
“Rio Branco é o reflexo das contradições amazônicas: riqueza natural, desigualdade social e o desejo constante de modernizar sem apagar as raízes.” — Ary Pinheiro Leite, UFSC (2010)
Para ler a tese de Ary Pinheiro Leite na íntegra você pode clicar no Link abaixo:
https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/93794
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